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A Queda da Peste

Não, não estou me referindo a desgraça da pandemia, mas de pestes humanas se baseando em Camus. "A Peste" do filósofo é uma metáfora dos horrores nazistas, as agruras dos condenados, um romance que simboliza o mal, mas como dizemos, a esperança nunca morre e a resiliência sempre surge.

A Peste e A Queda são duas obras de Albert Camus em sua segunda fase, o ciclo da revolta, uma indignação diante de uma Europa pós-guerra. Nessa fase, Camus ainda não perdeu a crença na humanidade e afirma, não somos impotentes. Não vamos sucumbir diante de monstros e loucos generais. Somos homens revoltados (outro livro desse ciclo é o "Homem Revoltado"), e exigimos nossa existência pois temos direito à vidas harmoniosas.

A Queda escancara a desilução dos absurdos com suas amarguras e como nossas dores queimam deixando tudo "como o silêncio das florestas primitivas, tão pesado que sufoca", escreve Camus no primeiro capítulo da "queda".

O ciclo do homem revoltado pede justiça, uma fase de revolta com os absurdos, uma revolta contra a insensatez humana.

Se o caos das guerras do século XX arruinou toda a Europa e o Japão das crianças mudas telepáticas, Camus já antecipava em seu primeiro ciclo que os cenários desabariam com essas guerras e ainda com nossas rotinas e suas cruéis repetições. Acordar, metrô, almoço, metrô, trabalho, metrô, retornar para casa, dormir, acordar, metrô...

Os dentes das piranhas não estão somente nos rios. Estão nas ruas, querem morder. Querem nossas quedas, elas querem morder até nossos ossos. Jean-Batist Clemence, personagem central da "queda" é um dissimulado e quando ajuda um cego atravessar a rua, é porque quer ser visto pelos outros, representando papel de bom moço. Sim, queremos ser boas pessoas, como noviços que querem viver para o Bem em suas jornadas celestiais. De nada servirá conventos com portas para muros.

Clemence queria viver, literalmente, nas alturas, porque assim tinha certeza que seria visto e saudado pelas pessoas. Porém, Clemence, cuidado com as quedas...

Da mesma maneira como o rico excêntrico às vezes perde o jogo, todo cuidado quando as luzes se apagarem. Noites de grandes festas terminam e haverá noites que não vão satisfazer meganomalias. Camus deixa o alerta, a música pode parar quando menos esperarmos.

Quem já não passou por isso, um dia pode sentir o desatino da abundância, pois nem tudo, e o tudo, significa o tudo.

A moderação de Epicuro revela sua importância. Ficar afastado do bom humor, às vezes, faz parte da normalidade, pois quando o corpo está doente ou triste, o coração enfraquece, e para realçar, resiliência.

O ideal seria sermos bons atores, curtir o palco mas com autenticidade, não para agradar a platéia. Não sou Clemence, que chega quase a abanar para o cego...

Não estamos carregando as pedras de Sísifo, mas o homem é culpado dele mesmo. A peste pode não ser o absurdo e nossas atitudes recrudescem com confissões ou acusações. O sentimento de culpa também destrói. Como a rainha D. Maria, considerada louca, porém, sua loucura vem de sua culpa por suas atrocidades, embora alguns historiadores ainda defendem sua precária existência.

Na "queda", o personagem sofre por ter presenciado um suicídio sem ter feito nada e sua consciência castiga sua alma. Não parece a queda do indivíduo consumista pós-moderno? Serve como metáfora não é mesmo? Onde vive o egoísmo doente e a hostilidade primitiva.

Platão julgava indivíduos que deveriam ser educados e remetidos ao seu melhor. Deveriam, mas a moral e ética pós-moderna retiram a pureza do ser.

É quando surge a revolta de Poseidon para socorrer os gregos contra os troianos. É essa força que quero. Para lutar com perseverança, pois o Deus dos mares está atento.

Não adianta enganar o óbvio, a mentira vai me trair na primeira esquina, ou a verdade...

Ora, a mentira é amiga íntima da queda, e Clemence sentiu o amargo da língua, "chegou um dia em que não aguentei mais, minha primeira reação foi confusa, e já que era mentiroso, iria manifestar minha duplicidade na cara de todos aqueles imbecis antes mesmo que me descobrissem". Ah tá, bem assim...

Então, todo cuidado moço, para avaliar nossos valores, para não caírmos, para não sofrer quedas.

Quedas desgraçadas como se fossem pestes.

Camus busca esperanças na estética e deleta o suicídio, o nazismo, as injustiças sociais, mesmo sendo acusado de não ser de direita nem de esquerda, o que originou discussões dele com Sartre.

Ele condenava o capitalismo mas ao mesmo tempo as aberrações de Stálin. Seu homem revoltado quer igualdades e socorre às artes para a disputa, ele sabe que o homem criativo, ou criador, pode superar obstáculos. A arte ultrapassa o normal e corrobora os objetivos dos homens revoltados.

Para derrubar nossas pestes, nossas rotinas impostas, nossas pedras, nossos infortúnios, a clareza do saber é essencial. Com a maioridade de Kant, as pestes devem sucumbir. Afinal, nossas quedas também fazem parte da rotina.

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