O assunto não é novo. Porém, continua atual envolvendo sociologia, tecnologia e cultura.
O uso dos celulares. Vi a cena de novo e resolvi entrar no debate.
Essa semana estava num bar à noite, sozinho, e na mesa ao lado estavam dois casais com três jovens entre 13, 14 anos. Em duas horas, os três não largaram seus celulares trocando mensagens, jogando, ou na internet, e eu só vendo os clarões dos aparelhos. Diálogos quase inexistentes. Em outra mesa, duas mulheres seguiam o mundo de ficção dos Jetsons. Quando comecei a ficar indignado, percebi que também não largava meu celular com minhas antenas idiotas ligadas.
Incrível, temos que nos policiar.
Sei que já ocorreram centenas de debates e seminários sobre a temática, mas o novo virtual, assim como o novo normal, segue em disparada e preferência.
Não temos dúvidas que o Google, messenger, what's e demais redes sociais são fascinantes. Você está num bar, tira a foto e já envia para amigos e amigas com bonequinhos tão felizes, que parece que já beberam mais que você.
Conversa com parentes "com vídeo", que estão a milhares de quilômetros de distância. Acompanha os gols do Grêmio, lê notícias da hora. É fantástico. Não um show da vida, mas um espetáculo em suas mãos. Envia documentos, escuta rádios do mundo inteiro, redescobre amigos e antigas paixões (que perigo), vê filmes. Tudo. Falta um pouquinho para se teletransportar e fugir do bar sem pagar (ah,o espírito maligno sempre à espreita). Esquecemos que o garçom também vai poder se teletransportar. Capitão Kirk e Dr. Spock, agora, são nossos amigos íntimos.
Voltando à seriedade, nossa tecnologia possibilita um imaginário pós-moderno sem precedentes.
Somos uma sociedade, uma civilização virtual que não larga o celular nem quando vai ao banheiro.
Temos que estar ligados aos nossos grupos, as fofocas dos amigos, se vai ter "quórum " para o jogo da Sexta, se viram quem vai levar a carne, últimas fotos da turma, etc.
Surgem conceitos simbólicos que invadem os grupos virtuais porque somos classificados, como sempre, e ficamos à deriva diante da exposição 24h. A interação é imediata.
Mas então, se vemos todas esses lados positivos, só elogios até agora, porque denominar os celulares de aparelhos malditos?
O fenômeno do desenvolvimento de nossa tecnologia, exige reflexões e volto aos três jovens. Será que algum deles estava pesquisando assuntos culturais nas bibliotecas virtuais? Tenho certeza que nem sabem que existem.
E ainda tem o problema do diálogo que desaparece numa mesa como nesse exemplo. Parece que o diálogo está em crise.
Acompanho a revista Seleções Reader's Digest há quase 50 anos (e ela continua criativa, uma ótima leitura), e na edição do mês passado, Outubro(2020), uma pequena matéria revela a seriedade da questão.
Adrià Bellester, morador de Barcelona, leva duas cadeiras dobráveis numa praça central e numa delas coloca uma placa onde se lê "conversas gratuitas". Que ponto chegamos. Adrià diz que seu objetivo é falar livremente, lembrar da arte que é a conversa pois "vivemos num mundo em que é mais fácil mandar uma mensagem a alguém de outro país do que dar bom dia aos vizinhos". Eis o paradoxo. Conforme ele, as conversas são espontâneas e surgem lembranças, com reflexões positivas e negativas. Uma lituana de 70 anos falou dos horrores que passou nos campos de concentrações.
Enquanto isso, os três adolescentes só conversavam entre si quando um deles batia o recorde de algum jogo. Pode-se dizer até que o encantamento traz um certo desencantamento. Mesmo assim, aquele desencantamento tão difundido ainda pela modernidade, pode originar uma pós-modernidade mais humana, feliz e integrada.
A tecnologia está à disposição.
O sociólogo Perry Anderson tem uma frase que faz parte da minha "cabeceira". Ela resume nosso fascínio por máquinas modernas: "se na modernidade éramos loucos por imagens de máquinas, na pós-modernidade somos dominados por máquinas de imagens". Sensacional, é a televisão, o computador, etc.
Telas de qualquer tamanho que se transformaram em companheiros e constelações em nosso cotidiano.
Resta a nós, seres tecnológicos, saber caminhar em estradas coloridas com sabedoria.
Estava esquecendo, o bar era com música ao vivo, um violeiro cantando nossos poetas como Milton Nascimento, Belchior, Zé Ramalho...mas acho que os três patetas nem perceberam...
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