top of page
Buscar
cocatrevisan

Aparelhos Malditos?

Atualizado: 29 de out. de 2021

O assunto não é novo. Porém, continua atual envolvendo sociologia, tecnologia e cultura.

O uso dos celulares. Vi a cena de novo e resolvi entrar no debate.

Essa semana estava num bar à noite, sozinho, e na mesa ao lado estavam dois casais com três jovens entre 13, 14 anos. Em duas horas, os três não largaram seus celulares trocando mensagens, jogando, ou na internet, e eu só vendo os clarões dos aparelhos. Diálogos quase inexistentes. Em outra mesa, duas mulheres seguiam o mundo de ficção dos Jetsons. Quando comecei a ficar indignado, percebi que também não largava meu celular com minhas antenas idiotas ligadas.

Incrível, temos que nos policiar.

Sei que já ocorreram centenas de debates e seminários sobre a temática, mas o novo virtual, assim como o novo normal, segue em disparada e preferência.

Não temos dúvidas que o Google, messenger, what's e demais redes sociais são fascinantes. Você está num bar, tira a foto e já envia para amigos e amigas com bonequinhos tão felizes, que parece que já beberam mais que você.

Conversa com parentes "com vídeo", que estão a milhares de quilômetros de distância. Acompanha os gols do Grêmio, lê notícias da hora. É fantástico. Não um show da vida, mas um espetáculo em suas mãos. Envia documentos, escuta rádios do mundo inteiro, redescobre amigos e antigas paixões (que perigo), vê filmes. Tudo. Falta um pouquinho para se teletransportar e fugir do bar sem pagar (ah,o espírito maligno sempre à espreita). Esquecemos que o garçom também vai poder se teletransportar. Capitão Kirk e Dr. Spock, agora, são nossos amigos íntimos.

Voltando à seriedade, nossa tecnologia possibilita um imaginário pós-moderno sem precedentes.

Somos uma sociedade, uma civilização virtual que não larga o celular nem quando vai ao banheiro.

Temos que estar ligados aos nossos grupos, as fofocas dos amigos, se vai ter "quórum " para o jogo da Sexta, se viram quem vai levar a carne, últimas fotos da turma, etc.

Surgem conceitos simbólicos que invadem os grupos virtuais porque somos classificados, como sempre, e ficamos à deriva diante da exposição 24h. A interação é imediata.

Mas então, se vemos todas esses lados positivos, só elogios até agora, porque denominar os celulares de aparelhos malditos?

O fenômeno do desenvolvimento de nossa tecnologia, exige reflexões e volto aos três jovens. Será que algum deles estava pesquisando assuntos culturais nas bibliotecas virtuais? Tenho certeza que nem sabem que existem.

E ainda tem o problema do diálogo que desaparece numa mesa como nesse exemplo. Parece que o diálogo está em crise.

Acompanho a revista Seleções Reader's Digest há quase 50 anos (e ela continua criativa, uma ótima leitura), e na edição do mês passado, Outubro(2020), uma pequena matéria revela a seriedade da questão.

Adrià Bellester, morador de Barcelona, leva duas cadeiras dobráveis numa praça central e numa delas coloca uma placa onde se lê "conversas gratuitas". Que ponto chegamos. Adrià diz que seu objetivo é falar livremente, lembrar da arte que é a conversa pois "vivemos num mundo em que é mais fácil mandar uma mensagem a alguém de outro país do que dar bom dia aos vizinhos". Eis o paradoxo. Conforme ele, as conversas são espontâneas e surgem lembranças, com reflexões positivas e negativas. Uma lituana de 70 anos falou dos horrores que passou nos campos de concentrações.

Enquanto isso, os três adolescentes só conversavam entre si quando um deles batia o recorde de algum jogo. Pode-se dizer até que o encantamento traz um certo desencantamento. Mesmo assim, aquele desencantamento tão difundido ainda pela modernidade, pode originar uma pós-modernidade mais humana, feliz e integrada.

A tecnologia está à disposição.

O sociólogo Perry Anderson tem uma frase que faz parte da minha "cabeceira". Ela resume nosso fascínio por máquinas modernas: "se na modernidade éramos loucos por imagens de máquinas, na pós-modernidade somos dominados por máquinas de imagens". Sensacional, é a televisão, o computador, etc.

Telas de qualquer tamanho que se transformaram em companheiros e constelações em nosso cotidiano.

Resta a nós, seres tecnológicos, saber caminhar em estradas coloridas com sabedoria.

Estava esquecendo, o bar era com música ao vivo, um violeiro cantando nossos poetas como Milton Nascimento, Belchior, Zé Ramalho...mas acho que os três patetas nem perceberam...

71 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

O Grito dos gritos

Geralmente gritos significam dores e tristezas, porém outros gritos podem reverter o processo. Entretanto, normalmente gritos revelam...

Soma de idéias feitas

A Indústria Cultural surge com máxima representatividade quando Theodor Adorno e Max Horkheimer esclarecem nos anos 40 as artimanhas do...

Estranhas Andorinhas

Jocasta, já temerosa e sem certeza de que Édipo matou o Rei Laio e é seu filho, diz que "meu pobre filho morreu há muito tempo antes...

コメント


Post: Blog2_Post
bottom of page