Não devemos temer a morte, já dizia a canção. Existe um jargão popular que diz que no dia em que nascemos, começamos a morrer. Nunca gostei dessa frase.
Prefiro outra sentença que segue essa linha de pensamento, porém mais saborosa, como chocolate com morangos. Ela está na biografia do imperador romano Marco Antonio que vendo sua morte se aproximar, lembrou que já havia "morrido" inúmeras vezes. Quando assumiu o trono ainda criança, morreu um pedaco de si, pois as mudanças em sua vida foram obrigatórias.
Essa passagem histórica faz os simples mortais perceberem que passamos por tantas situações que não desejamos e que nunca fez parte de nossos objetivos. São situações onde morremos aos poucos.
Quando temos que abdicar de nossas vontades, morremos um pouco.
Ao perder um amor, morremos um pouco. Ou ainda quando somos obrigados a cumprir tarefas que não desejamos, ao contrário, que só trará dissabores e angústias, morremos mais um pouco.
E vejam que curioso, nunca havia percebido por esses lados mortíferos, pois sempre que citamos heróis do passado, eles estão mortos há décadas ou centenas de anos.
São as vozes e as côres dos mortos. Lembro porém, que perdas podem trazer ganhos.
O filósofo Zenão de Cítio quando navegava nos rios da Grécia, naufragou e perdeu toda sua carga preciosa. Ele perdeu tudo e por milagre não morreu afogado.
Aconselhado por Deuses, foi estudar nas bibliotecas gregas para ouvir as vozes dos mortos nos livros, e descobriu as cores das palavras de Xenofonte, se apaixonando pela filosofia. Nesse momento, me vem à cabeça, o que é o destino em nossas vidas. Em tais ocasiões, quando "morremos um pouco", quando acontecem fatos sem explicações, e que vão viajando de mãos dadas com nossos destinos. Voltem dez anos de suas vidas, e relembrem seus sonhos e objetivos. Quantas diferenças da realidade.
Já ouviram falar da síndrome do impostor? Uma tese freudiana que afirma que às vezes as pessoas pensam que triunfaram mas acabam passando por frustrações. Como aquele professor que sempre desejou ser diretor e quando esse se aposentou, seus colegas realizaram seu sonho escolhendo ele como novo diretor.
Seu sonho tornou pesadelo pois ele não se sentiu seguro para o almejado cargo e caiu em depressão. Que situação curiosa e saibam que acontece mais do que imaginamos. Faz parte da vida e morte.
Uns chamam de destino, outros da vontade de Deus, mas quantas vezes morremos um pouco, apesar de que em várias situações, como aconteceu com Zenão, essas mortes trouxeram...vida.
Enquanto isso os ensinamentos das côres dos mortos vão nos acompanhando em cima, em baixo, ao lado, atrás, na frente, eles são definitivamente, vivos.
Espero que não confundam com nossa vocação de perpetuar coisas passadas, aquelas mágoas de outrora que carregam energias mentais negativas.
Não. Nada disso. Não é isso que estou falando, ou melhor, escrevendo.
Recorro a máxima que diz que "nada do passado pode, ou deve, nos impedir de viver um saudável presente". Ora, se as côres das flores são magníficas, as côres dos mortos também possuem suas expressões elevadas. E somente nós podemos dar caminhos à essas vozes e côres.
Nossa mente e pensamentos.
Mesmo porque, como Epíteto escreveu, não são os fatos que acontecem em nossas vidas que nos deixam tristes. O que vai definir é como vamos enfrentar essas adversidades.
Quem conclui é nosso pensamento, nossa mente, nossa consciência. Em seu livro "Um Novo Mundo", Eckhart Tolle escreveu o seguinte: "tome consciência de que na maioria das vezes, o que você pensa é o que cria suas emoções, observe a ligação entre eles. Em vez de ser seus pensamentos e suas emoções seja a consciência por trás deles". Parece surgir um novo elemento, assim como a ação. Na verdade, eles se complementam. Pensamentos, emoções, consciência e talvez a mais relevante de todas, a ação.
Veja em que ponto você está, onde está o "furo". Quando Zenão perdeu tudo no naufrágio, ele poderia se abater de tal maneira que sua vida poderia cair num abismo. Ou ainda entrar num túnel escuro e depressivo.
Mas algo aconteceu em sua mente, pensamento, consciência, etc. Ele mesmo disse que nesse dia, quando ocorreu sua tragédia pessoal, ao mesmo tempo a tal desgraça, oportunizou uma nova jornada. Talvez tenha sido as côres dos mortos. Que contradição, mortos quietinhos dependendo da ação.
Quantas vezes percebemos em nossas próprias vidas, que depois de uma desgraça ou de algo muito ruim, surgiram coisas maravilhosas. Essas tragédias fazem de nós pessoas mais resilientes.
A força das côres dos mortos. Depois de 500 anos de Zenão fundar sua escola, o Estoicismo, o imperador Marco Antonio ainda seguia seus mandamentos. Dizia que era mais aconselhável tingir a mente dos conceitos estóicos. 500 anos depois. Tingir, ah sim, as côres dos mortos.
Ler e pesquisar pessoas que já partiram faz parte do cotidiano. Sem dúvida nenhuma, isso é História.
Estudar o passado é essencial, o novo para mim, é acrescentar adjetivos às vozes que não escutamos mais...mas que estão "vivas".
São belas e eternas, as côres dos mortos.
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