Schopenhauer, o pessimista otimista, disse que o fim liga recomeços.
Onde é o fim?
Onde está o final?
Quem garante que o final é definitivo?
Quem já leu Moby Dick, clássico de Herman Melville, sabe como o jovem aventureiro Ishmael sobreviveu ao naufrágio do navio do Capitão obcecado pela baleia, flutuando por mais de 24 horas no caixão construído pelo bom selvagem Queequep.
Que incrível simbologia, um caixão salvando vidas.
Que insossa imagem, o funesto caixão garantindo uma vida.
Nem Gilberto Gil imaginou tal cena quando diz que andar com fé não costuma falhar.
Imaginem, um caixão.
Sim, tipo aqueles que atormentam nossas existências e que acabou salvando a vida do jovem Ishmael.
Como não vou crer em vida pós-morte depois dessa? No filme Medieval(2022) do diretor tcheco Petr Jákl, o guerreiro histórico Žižka(Ben Foster), toda vez que enterrava um amigo dizia "a morte traz a vida".
As cenas são emblemáticas, baseado no herói verídico Žižka empurrando as últimas pedras com minúsculas partículas de terra, se despedindo do amigo com convicção que o morto vai renascer da suposta alimentação dos vermes.
Parece que o amigo falecido vai voar.
Águas e terras, a natureza da vida e da morte. Ishmael se salva com o caixão deslizando nas águas dos mares enquanto os amigos abatidos de Žižka tentam abrir caminhos das cavernas da morte. Eles não querem essa parte desse mini latifúndio.
Ninguém quer.
Ninguém deseja essa opção.
Ninguem almeja tal escolha.
Escolha que soldados das duas guerras insanas mundiais não tiveram, pois faltou caixões. Milhares ficaram pelo caminho, irreconhecíveis e outros milhares soterrados nas neves do rigoroso inverno russo. Ou civis que
viraram pó nas cinzas na Rosa de Hiroshima.
Todos dariam qualquer coisa para ter um caixão semelhante ao de Ishmael.
Lembram dos caixões do bordel que escrevi num texto nesse blog ano passado? Havia um bordel ao lado de uma funerária e por incrível que possa parecer o maior movimento ocorria na funerária.
Tá loko.
Quem prefere entrar numa funerária invés de um bordel? Cheguei a sugerir colocar caixões como mesas no bordel, mas acho que não fui atendido.
Voltemos ao sortudo Ishmael que se agarrou como pôde e se salvou da vingança do Capitão, que não houve, pois a baleia destruiu o navio.
Antes de partir para a caçada, Ishmael ainda em terra foi alertado por um profeta chamado Elias dizendo que os marinheiros do navio "Pequod" não tinham almas. Eram marinheiros como sombras humanas.
Mesmo com o alerta, o jovem aventureiro seguiu em frente e por milagre foi resgatado depois de um dia e uma noite num mar sereno como, pasmem, um sepulcro.
No caso dele um sepulcro alegre não é mesmo? Não sei se existe sepulcros alegres mas com toda certeza se existe, tal fato inusitado ocorreu com Ishmael que agradecia todos os dias a companhia do querido caixão.
Nunca pensei em como deve ser meu eterno caixão mas embora, todavia e "todavida", me inspirando em Ishmael vou querer um com ar-condicionado e um mini freezer.
Vai saber né..."todavida"...