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  • cocatrevisan

Dilemas do Ridículo

Atualizado: 21 de out. de 2021


Faz parte, infelizmente. O ridículo.

Ainda estou escrevendo sobre Dostoiévski e suas fantásticas narrações existenciais, e destaco nesse texto o desprazer quando supera o prazer através de um personagem suicida.

"O Sonho de um Homem Ridículo" mostra um personagem perdido, sem rumo, que não encontra sentido em sua vida. E ainda vê as pessoas ao seu redor sem nenhuma significância. Ele caminha para sua casa, olhando as estrelas sem entender o espetáculo, pensando em dar fim à sua sofrida vida. Já com um revólver em punho em sua derradeira caminhada, ainda é abordado por uma menininha que pede sua ajuda pois sua mãe está doente em casa. Porém, ele segue sua caminhada, com piedade da menina e fica até surpreso por sentir tais sentimentos.

Quando chega em sua casa com o revólver nas mãos, cansado, adormece.

Sonhou com outro mundo.

Ele ainda se suicida no sonho, mas vai parar num paraíso, "um sonho para aqueles que estão adormecidos".

No planeta desconhecido, todos são felizes, seus rostos são iluminados, cheios de luz, enfim, um alvoroço de alegrias. Uma terra sem pecados onde o homem ridículo não entende porque as pessoas são tão felizes, não consegue sentir o que eles sentem.

Para o ridículo parecia até que eles conversavam com árvores numa harmonia perfeita com a natureza. E no fim do dia, cantavam versos de louvor pelas últimas 24h. Um sonho de vida.

Com o passar dos dias, ele corrompe o paraíso e transformações nefastas começam a pairar no cotidiano. O homem ridículo ensinou seus pecados e vieram os conflitos. Somente aí percebeu que era ele o culpado por seu sofrimento e por ser um homem ridículo. Somente ele.

E quando tentou dizer que ele era o temor, os "felizes" acusaram nosso personagem de doido. E, pasmem, riram do homem ridículo.

E então, ele acordou. E percebeu que ainda poderia ter outra vida, bela, feliz, uma anunciação da Boa Nova. Tinha descoberto a verdade e atirou o revólver para longe.

Não sabia ainda com total certeza se tivera um sonho ou uma imaginação, mas seguiu em frente com enorme expectativa. O que precisava era rever sua vida e sair do zero, esquecendo aqueles que menosprezavam ele.

Não sei, tenho a impressão que já fui um homem ridículo, afinal quem não passou por momentos difíceis ou crises né?

O relevante é perceber o quanto somos culpados desses momentos conturbados, nossos pecados e frustrações e não aceitar as anormalidades como coisas normais.

Assim Dostoievski vai questionando existências através de seus conflitos, e visualiza saídas para dias melhores. Vejam, ele questiona, não traz respostas prontas, isso ele quer de nós. Que cada um busque suas respostas. E se Nietzsche falava em super-homem, o autor russo insiste no Deus Homem. Vemos isso em quase todos seus personagens.

O professor da Puc-Rio, Carlos Eduardo Motta diz que "é curioso observar como a descrição do narrador sobre a natureza dos sonhos está afinada com a de Freud e da psicanálise, sendo caracterizada como fruto e projeção de um desejo e não de uma reflexão de ordem natural".

De uma forma ou outra, nosso personagem deixa de ser ridículo e revela um ser com dois pés, dois braços, tronco, cabeça, coração e sentimentos para cruzar a ponte.

Andar com fé, eu vou, e quero crêr em dias melhores, sempre...adelante.

Apesar de alguns críticos ressaltarem um tom irônico nesse despertar, louvo a busca da verdade. Talvez a ironia do ex-suicida seja porque levou corrupção ao mundo encantado e retornou com novas esperanças. Ou porque sua descoberta não leva a lugar nenhum pois escancarou um mundo nefasto no planeta dos sonhos.

Ora, Dostoiévski narra o sonho de uma nova realidade, suas possibilidades, mas não esqueçamos, são contos "fantásticos". E os paradoxos do russo deixam dúvidas, como todo paradoxo. Suas sutilezas podem falsificar uma realidade, diríamos, final.

Pode ser que a ironia seja a própria dúvida, pois depois de seu sonho, nosso personagem garante ter descoberto a verdade, mas ninguém yem a certeza de que voltará a corromper afinal ele fez isso em sua viagem fantástica.

O homem ridículo ensina que com ou ironias ou não, estar aberto traz possibilidades. O sonho liberta, a utopia existe e se alguém acha que pode chamar você de ridículo, lembre-se que só essa ação do opressor já é ridícula.

Sonhar é viver e vice-versa. Simples assim, não tem conversa e acredito que o bem gera o bem, assim como a gentileza, mas por outro lado, o mal que está à espreita, age da mesma maneira. Nossa parte nesse latifúndio é definida por nossas ações. Nossas. E se as injustiças, às vezes, calam nosso senso do ridículo, lembrar que a lei do retorno existe pode ter valor significativo.

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