top of page
Buscar
cocatrevisan

Esperando...o deserto

Atualizado: 19 de out. de 2021

Sacrilégio seria afirmar que Proust, Camus e sartre não são os pais do Existencialismo. Suas obras nos obrigaram a reflexões sobre absurdos de nossa condição humana. O holocausto corrobora. "O Estrangeiro" de Camus ou "Em Busca do Tempo perdido" de Marcel Proust revelam impiedosas injustiças sociais além de nossas vivências e sobrevivências. Porém, outras obras literárias nos levam, por outras rotas, a questionar nossos tempos perdidos. Em 1940, o italiano Dino Buzzati escreveu um dos melhores livros do século passado, conforme a crítica especializada. E concordo conforme minhas leituras até o momento. "O Deserto dos Tártaros" conta a jornada do tenente Giovanni Drogo que em busca de glórias militares parte para um forte, à espera dos inimigos. Os anos passam, o inimigo não surge e sua razão de viver parece ter se perdido em certo momento onde o passado cresce a cada dia, semana, ano e década. Sempre aguardando com ansiedade o dia glorioso da batalha.

O problema é que o exército tártaro nunca apareceu para justificar sua existência ou seus propósitos de sua vida. "A vida do forte engolia os dias um após o outro, todos iguais, numa velocidade vertiginosa. Ontem e anteontem eram iguais e assim se dava, à sua revelia, a fuga do tempo" diz o autor.

Mesmo assim, Drogo não esmorece pois tinha muito tempo à frente. Na realidade, ele próprio não tinha noção e nem conhecia o que era o "tempo". Passados mais de 40 anos, o tenente já não vê horizontes e percebe que sem filhos, sem guerras, parece estar sozinho no mundo e sente o destino em profundo declínio. Seus amigos do forte já morreram e Drogo vive seus últimos dias num quartinho escuro e deprimente. A vida passou e o exército tártaro nunca apareceu.

Como diz a música, eu deveria ter amado mais...para não morrer esperando o que nunca vai vir.

Pode até soar como metáfora, porém vemos muitas pessoas viverem como Drogo, e mesmo nós, se os olhos não abrirem em tempo de perceber que o tempo, realmente, passa.

Drogo revela aquela expressão popular, "amanhã resolvo isso, amanhã resolvo aquilo", e quando percebemos o mundo girou, girou, girou...

E eu não quero cantar "todo dia ela faz tudo sempre igual"...eu quero fazer coisas diferentes. Sei, sim, que deixei passar muita água, mas elas não vão voltar, as águas de março passaram e nunca tomamos banho no mesmo rio, mesmo sendo o mesmo rio, já dizia Heráclito. Muito menos os desertos. Muito menos os inimigos, até eles mudam, isso se eles vierem, caso contrário, a morte pode chegar antes que os tártaros...

52 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

O Grito dos gritos

Geralmente gritos significam dores e tristezas, porém outros gritos podem reverter o processo. Entretanto, normalmente gritos revelam...

Soma de idéias feitas

A Indústria Cultural surge com máxima representatividade quando Theodor Adorno e Max Horkheimer esclarecem nos anos 40 as artimanhas do...

Estranhas Andorinhas

Jocasta, já temerosa e sem certeza de que Édipo matou o Rei Laio e é seu filho, diz que "meu pobre filho morreu há muito tempo antes...

Commentaires


Post: Blog2_Post
bottom of page