Sou saudosista, daqueles que reviram fotos antigas, fotos que lembram grandes e péssimos momentos.
Algumas fotos fazem chorar de alegria, outras provocam cachoeiras de tristes lágrimas. Parentes e amigos que partiram parecem renascer nos olhando com um olhar fixo.
Fotos do colégio Santa Maria onde estudei 11 anos, fotos dos times de futebol, turmas de cada ano e outras que segundo minha filha representam o "feudalismo". Época em que ter uma tira-teima era obrigatório, e para quem não sabe, tira-teima era uma pequena máquina fotográfica que fez sucesso nos anos 70, 80. Assim como ter uma Polaroid era o máximo, imaginem revelar sua foto na hora...nossa, tecnologia dos "Jetsons".
Na minha graduação de Jornalismo ainda tive disciplinas nas salas "escuras" para revelar filmes.
Certa vez um professor da disciplina fotojornalismo, com problemas de insônia, mostrou uma sequência de fotos de 15 em 15 minutos durante uma noite inteira do mesmo cenário, ficou uma obra de arte.
O professor sublinhou momentos de seu momento. Uma noite infeliz em instantes de rara beleza, um canto dos cisnes.
Momentos onde uma maldita insônia sucumbiu diante de forças renovadoras.
Exemplos de reencantamento de vida e valorização humana não é mesmo?
Como Wittgeinstein dizia, podemos perder altitude para sulcar um terreno mais restrito e horizontal onde nossas possibilidades tratam de limites.
Resta valorizar então nossos instantes realçando qualidades das pequenas belezas de nosso cotidiano com o Kairós, o carpe diem, o tal poder do agora.
O sociólogo Michel Mafessoli dizia que "aceitando um só instante, toda eternidade se encontra aprovada, redimida, justificada e afirmada.
Sensacional. Um instante ou segundos de vida reafirmam a existência infinita?
Uauuu.
O escritor Paul Auster conta que sempre frequentava uma tabacaria onde um dia seu dono contou que todos os dias nos últimos doze anos, às sete horas em ponto, tirava uma foto sempre do mesmo cenário. Imaginem, doze anos.
Ali está o tempo, ali está o que ator Peter Lorre disse num filme clássico noir, que o tempo era uma...trapaça.
O tempo revelando seu âmago nas fotos do amigo de Auster. Aliás, Auster usou tal narrativa num roteiro cinematográfico, dizendo que entendia Auggie (esse era o nome do dono da tabacaria), ao fotografar "o tempo natural e o tempo humano".
Fantástico, numa esquina qualquer, como diz Auggie, o tempo se desliza com passo mesquinho.
Eu diria que são passos magnânimos, uma micro história colaborando com a macro história. Pequenos passos dos homens, grandes passos da humanidade.
E não vemos evoluções ou mudanças apenas em fotos. Os impressionistas acrescentaram luzes e cores com a revolução de seu movimento e Claude Monet, o mestre deles, apresentou uma nova pintura com a luz cotidiana revelando tonalidades.
Em 1866, Monet pintou suas "séries", quadros com a mesma paisagem em horários alternativos. "Rua de la Bavolle", por exemplo, realça um vilarejo de La Havre(França) com várias cópias.
As séries tem sequência de fenos, álamos e catedrais onde o mestre da pintura brinca com o tempo e seus respectivos aspectos. É lá que surge sua genialidade sutil, nas mesmas cenas com atmosferas diversas. A Folha de SP está lançando uma nova coleção (na verdade já com metade das edições nas bancas), porém a editora Abril tem uma coleção com uma seção denominada "o artista e seu tempo" o que situa ainda mais o impressionismo com sua época.
Basta ver o repertório de Monet para perceber sua integração com sua Era com montes de fenos dançando nas sombras para deleite das suas paletas.
Ele revolucionou com seu "Sol Nascente", quando deixou à parte as regras acadêmicas com pinturas ao ar livre liberando a mitologia e os próprios temas históricos que ficaram obsoletos.
O fundador do impressionismo pintou atmosferas, jardins, cidades, vilas, lutas de ondas, etc, enfim, suas "impressões" variavam cotidianos como o amanhecer e o crepúsculo. Seus quadros retrataram as mudanças temporais com céus ensolarados ou dias cinzentos e, fotos, fatos e quadros cravam nossos olhos o tempo, aquele mesmo tempo que Peter Lorre disse que era...uma trapaça.
Belo texto. Realmente vendo fotos dos momentos marcantes, sejam quais forem, nos faz voltar aquele momento como se estivéssemos vivendo de novo. Talvez com outra interpretação daquela hora, mas com a mesma emoção.