"Mas você, você é um monstro ou um demônio?" diz a menina assustada nas ruas sombrias de Londres do século XIX, porém a figura horrenda responde indignado, "demônio? Não se engane criança, dentro de você também existem monstros".
O monstro questiona o íntimo humano e lembra que todos temos pensamentos demoníacos. Incrível, mas é verdade, não somos santos e parece que o monstro escondido em nosso âmago quer sua parte nesse latifúndio material...e humano. Não posso negar, tem momentos que nosso monstro se revela e imitamos o Dr. Jekyll. E dizem que isso é humano.
Será?
Se for, vou lutar contra tais tiranias maléficas evitando seguir bordões populares como "quanto vale nossa consciência".
Mês passado assisti uma série na Netflix de oito capítulos numa maratona. Aquele dramalhão familiar, um fazendeiro em crise financeira e existencial se suicida e seus três filhos discordam sobre o futuro da herança, que já não é grande coisa. Uma construtora quer comprar a fazenda mas os três, um workaholic, uma empresária falida, um irmão deficiente, além de uma mãe ausente e "fora da casinha" e uma avó que não quer se desfazer da velha fazenda brigam sem acordos. Lá estão as tramóias entre irmãos, irmão sabotando irmão, traições, egos inflados, desesperos financeiros, enfim, os monstros de cada um se revelando e fazendo o monstro de Londres de Robert Louis Stevenson parecer mais real que sua ficção.
Meu espelho também revela algumas facetas que não imagino e quando meu discernimento está ausente, tudo complica mais ainda. O lado perverso está à espreita, pronto para agir sem essência nenhuma pois a moderação também está distante. E se a moderação de Epicuro ainda permite nossas visitas aos bares sagrados, sim, com moderação, tudo fica aberto. Nosso "Hyde" pode florescer a qualquer momento, nosso espelho está vulnerável. Mas como vou saber se estou exagerando? Como perceber onde fica a lua que "sexifica"?
Não posso confundir atrevimento com covardia. Preciso saber se agora é a hora, é preciso correr riscos.
Se não tenho certeza que agora é realmente a hora, como devo proceder?
Conhecem o significado de Kayrós? Não? Descubram, vai valer a pena ter amanhecido depois de noites agitadas.
Afinal, existem monstros do bem, como os monstros sagrados da música e literatura. E pensando bem, bares são recintos sagrados, lugares onde vivemos outro mundo, onde temos o direito de deixar nossos desejos terem sua vez.
Onde o covarde busca coragem depois da terceira cerveja para somente no outro dia confirmar se naquela noite o kairós esteve presente.
Quem não perdeu amores nos bares da vida? Quem não ganhou amores nesses mesmos ambientes? Ora, foi nos bares e bailes da vida...que Bituca reverenciou nossa existência...
Pensando bem (de novo?), acho que vou tomar umas no Garden ou no Sufoco's aqui no Campeche para espairecer sobre nossa condição humana. Ah, tem o Chopp do Gus, no Córrego Grande, o melhor do Rockin'Roll em Floripa (opinião desse blogueiro).
Se estivesse em Santa Maria iria na Lurdinha, em Porto Alegre no Sargent Peppers e no Rio de Janeiro, no Meu Boteco, em Ipanema, quase Copacabana.
Bom, acho que hoje Belchior não precisa me dizer de que lado nasce o Sol ou onde a lua sexifica, pois bate lá meu coração.
Vamos ver o que senhor Hyde vai aprontar hoje...
Todos os dias, dizia aos meus alunos, que ao acordar, colocava meus monstros na gaveta e ia trabalhar. Uma forma de dizer a eles que nenhum de nós é santo, quanto mais abençoado. Parabéns pelo texto!
Gostei bem enigmático pra chegar nos dias atuais, abraço amigo.
Baita sacanagem tua, Coca. Aliás uma monstruosidade dizer que vais beber umas no Campeche. Até imagino a cena. Tens razão. Todos somos monstros e somos santos. Cidadão de bem me nego a ser na atual conjuntura. Com Dostoievski faz muito tempo, descobri que os romances assim como a vida não são feitos de mocinhos e bandidos como aqueles dos velhos faroestes em que eu na ingenuidade da infância, sempre torcia para os índios. Excelente o teu texto. Muito prazer de ler na forma como tu escreves.
Ótimo texto Coca. Querendo ou não, todos nós temos os diabinhos e os anjinhos na nossa alma …