Moro numa rua tão tranqüila que deixo as portas de casa abertas. Na frente, montanhas com suas centenas de árvores formam uma serenidade silenciosa.
Quando o céu está azul, o contraste das côres faria qualquer pintor impressionista ficar maravilhado, e agradecido. Sou da "praia", mas montanhas me fascinam por suas belezas.
Mas, então, onde estão as montanhas da morte? Nas guerras insanas e incomprensíveis. O horror das bombas destruindo árvores milenares e dilacerando tudo ao seu redor. Inimigos detonando arsenais sobre humanos e árvores, seguindo ordens de loucos por poder.
Absurdos humanos. Porém, conseguem se superar com o absurdo dos absurdos. Num episódio na guerra do Vietnã, americanos e seus adversários se matavam como bestas humanas por metros de terras. O objetivo dos americanos era alcançar o cume de uma montanha dominada pelos vietgongs, um ponto estratégico.
Depois de meses de carnificina, com milhares de mortos dos dois lados, os ianques estão quase lá quando recebem ordens para deixar o local. Entenderam? Não? Eu também não. A explicação chegou dias depois. A pressão da sociedade norte-americana exigia a retirada de suas tropas.
A sociedade era contra a guerra e os exércitos recuaram. Que absurdo, morreram milhares de jovens...nas montanhas da morte, por nada...
Guerras sem sentido do mesmo homem que constrói belas cidades, daqueles que tem paixão pelo novo, mas que se perdem com sua estúpida ganância. E matam por terras alheias, lutam nas montanhas da morte e soldados perdem a vida sem saber o porquê.
Seus nomes não vão entrar nos livros de história. Muito menos seus medos e fantasmas. Para eles, a vida e a morte não estão separadas.
No clássico "Nada de Novo no Front" de Erich Maria Remarque, o menosprezo pela vida escancara o soldado inútil. Ninguém respeita mais a amizade pois todos os amigos vão morrendo, dia após dia.
Soldados choram as perdas esperando sua vez. Quando cai o último, um telegrama pergunta como estão as coisas na linha de frente.
A resposta é de que não há nada de novo no front, as mortes não significam mais nada.
A vida e a morte não interessam mais às bestas que lideram as destruições. A morte está banalizada e os soldados nem sabem mais quem são seus inimigos, estão lá para matar e morrer. Foram treinados, doutrinados e domesticados, eles não pensam...
São robôs transvestidos em máquinas de matar, só não sabemos em nome de quem ou do quê. Um verdadeiro banquete para os abutres, porém, os reais abutres comandam nas casamatas.
O poder manda e na própria segunda guerra mundial, nações se degladiavam reivindicando "seus" espaços. Todas achavam que mereciam mais. As unificações do século XIX fortaleceram regiões com suas tradições milenares. E para eles, montanhas da morte são apenas montanhas. O professor da Puc-Rio, Gabriel Jucá cita a teoria "História de Pirro", onde vitórias custam muito caro para poucos benefícios.
Nas tais montanhas, as amizades não fazem parte da gramática verbal, lá o sangue é sujeito principal, único. Não entendem mais o significado de um abraço, pelo contrário, só enxergam inimigos.
Não conhecem a amizade sincera de Geraldo Azevedo, aquela amizade que é um santo remédio e um abrigo seguro. Não, não conhecem.
Soldados ainda tentam encontrar justificativas em suas lutas sanguinárias, mas como já estão doentes, surge um elemento curioso. Eles querem matar por vingança, pela morte de amigos, mas o inimigo pensa da mesma forma, e assim, a matança segue, não tem fim. A novidade nefasta afunda ainda mais o ser humano que quer assassinar suas frustrações.
Bernard Cornwell relata as aventuras do soldado Sharpe nas guerras napoleônicas, um guerreiro que enfia sua baioneta no inimigo com tamanha violência que revela algo mais do que ódio ao inimigo. Afinal, as frustrações da miserável vida de soldado precisam ser suprimidas.
Nada de novo no front.
Não temos condições de compreender as montanhas da morte. Chegar ao topo da montanha seguindo seus comandos e ao conseguir o objetivo, descer a montanha? Parece Sísifo...
Não é um absurdo? Então que levassem as pedras de Sísifo nas montanhas inúteis e, pior, das mortes.
Numa determinada batalha o líder explicava ao soldado porque lutavam, era para o comércio, pois sem ele não haveria capital, dinheiro necessário para a evolução das nações. Ah tá...a matança está justificada. Parece ser o suficiente para generais mandarem milhares à morte. A riqueza "deles" está acima de tudo e de todos.
O filósofo romeno Emil Cioran disse certa vez que a pátria é apenas um acampamento no deserto e que trocaria todas as paisagens do mundo pela sua infância. Interessante não é mesmo? Voltar à infância vale mais, muito mais, do que latifúndios. Será que não percebem que a vida sempre está acima de qualquer interesse, o que importa é nossa existência, nossas relações. E concordo com Cioran, acho que nossas amizades da infância refletem o mais puro amor pelo outro. A inocência ainda está lá, no front da amizade sem interesses. Muito distante das montanhas da morte.
Comments