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Não Somos nada nessa Vida (Lima Barreto III)

Atualizado: 26 de out. de 2021

- Mamãe! Mamãe!

- Que é minha filha?

- Não somos nada nessa vida.

Assim termina o romance de Lima Barreto "Clara dos Anjos", a triste realidade do preconceito racial que ainda vigora em nossas sociedades.

A mestiça mulata Clara descobre que está grávida de um sedutor loiro, que covardemente foge, e ainda é acobertado por uma mãe que não admite um casamento de seu filho com tal "raça".

Não bastasse tais humilhações, o cínico sedutor tinha a seu favor a benevolência de juízes e delegados, pois as autoridades julgavam como inapropriado essa união devido às diferenças culturais, de côr e de nascimento. Era o Brasil República do começo do século XX. Lima Barreto, o autor chamado de bruxo do Cosme Velho, abordou em quase todos seus romances essas desigualdades sociais com críticas ferozes, mesmo usando sarcasmos, ironia e humor.

É justamente nesses pontos que transparece a sua literatura diferenciada. Sérgio Miller comenta sobre Barreto: "admirávamos sua irreverência fria, a quase crueldade com que analisava um personagem, a ironia mordaz, a agudeza que revelava na marcação dos caracteres". Na verdade nua e crua, não tem como ficar indiferente diante das denúncias do crítico escritor, elas nos forçam a pensar, refletir...e refletir. Barreto revelou as facetas dos mecanismos das sociedades e suas diferenças sociais com as injustiças raciais.

Esse é o terceiro texto sobre Lima Barreto, e em minha modesta opinião, é o escritor mais relevante da nossa literatura clássica, junto com Machado de Assis. Repito, em minha opinião. Não sou crítico literário, apenas um rapaz latino americano, jornalista e blogueiro.

Lembro que obras como O Ateneu de Raul Pompéia, ou O Cortiço de Aluísio de Azevedo também me fascinam...mas Lima Barreto é o cara...

Raul Pompéia escancarou, afinal quem não teve vontade de botar fogo em suas escolas como em O Ateneu? Calma né amigos, são as fases de rebeldia de adolescente...

Mas, voltamos a Lima Barreto, não tem como não ficar incomodado com seus livros, a luta de Policarpo Quaresma e sua revolta contra a política agrícola nacional e as aberrações raciais que Clara sofreu.

E ainda, tudo que teve que enfrentar, as duras críticas da elite e das próprias empresas jornalisticas. Os intelectuais do início do século XX, os "franceses", viviam sob influências românticas e parnasianas, e condenavam o bruxo ao ostracismo.

Mas enquanto teve forças, denunciou o que pôde, ele sentia a necessidade de mostrar as falsas crenças do modernismo que custou caro às classes menos favorecidas.

As lindas avenidas do Rio de Janeiro empurraram a maioria da população para os morros e bairros distantes. No romance Clara dos Anjos, Barreto registrou a feiúra e sujeira dos subúrbios, bairros periféricos com extrema pobreza.

Era um refúgio da infelicidade, conforme ele, onde a sobrevivência era muito difícil e a pobreza deflagrava o abandono dos poderes públicos, assim como as questões raciais, pois quando Clara vai encontrar a mãe do rapaz que a engravidara foi humilhada e massacrada. Sua "sogra", dona Salustiana, que de dona não tem nada, interpela Clara, "que é que você diz, sua negra?", quando a mulata reinvidica casamento. Salustiana vai além, e diz que "queixam-se de que abusam delas...é sempre a mesma cantiga..."

Personagens de Barreto, vitimas que denunciaram os preconceitos com seus sabores amargos. Normalmente a crítica e seus comentaristas costumam afirmar que esse era o contexto da Nova República recém-saída da escravatura, porém, o tema ainda é recorrente em nossas sociedades.

É notório que a escravidão nunca foi totalmente superada, ela persiste e todos os dias acontecem fatos graves referentes ao drama. Sociólogos argumentam, que uma parcela da atual classe dominante não tem capacidade de assimilar um rompimento com origens ainda do Brasil Colônia. Deveriam ser agradecidos por uma vida em abundância e ser generosos, não colocando o dinheiro sempre em primeiro lugar. Santo Inácio ensinou os "três degraus" da obsessão pelo dinheiro: o primeiro é a riqueza em si, o segundo a vanglória de alguns ricos e terceiro, a soberba. Evidente que também gosto de dinheiro, mas sabedoria e humildade deveriam ser elementos compostos dos afortunados. E gostaria mais ainda, que muitos vivesem essas boas condições financeiras evitando a opressão que o superior submete ao inferior. Simples. Não é espantoso como pessoas que não conseguem dar sentido à sua própria vida, acham que tem o direito de orientar vidas alheias?

Lembro de outros segmentos que agravam essas questões, pois em vinte anos, vários movimentos foram demonizados e sofreram mais de cinco mil assassinatos entre índios, sem-terra, enfim, pessoas marginalizadas, assim como os negros. Histórias de racismo, poderes, concorrências, desafetos, tudo pela glória. Alem de seus livros, Barreto escreveu dezenas de contos nos jornais relatando histórias de poderes e uma que gosto muito foi publicada em 1915 com o nome de "Era preciso". Conta a história de um indivíduo ávido pelo poder, queria por que queria subir na vida e prometeu a si mesmo que faria o que fosse necessário. Não se sabe como mas conseguiu o título de Dr. Mas queria mais e se aproximava daqueles que precisava e quando não "precisava", abandonava e partia para outras necessidades. Seguindo seus trilhos, pesquisou como poderosos chegaram ao extremo.

Examinando assembleias e câmaras, percebeu que um assassinou um concorrente, outro matou dois numa briga e um outro respondia processos por suspeição de assassinar um competidor. Nosso querido rapaz chegou a conclusão que precisava matar alguém e na primeira discussão alvejou o "inimigo" com três balaços. Depois de conseguir tudo na vida, quando lembrava do incidente, dizia: "Era preciso..." Lima Barreto alertou e denunciou essas injustiças com veemência em toda sua literatura, considerada por muitos, como militante. Mesmo que seja uma utopia, quem sabe ainda poderemos reformar o título desse texto para palavras mais humanas com um real amor ao próximo. Lima Barreto e a Clara agradecem...

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