Névoas

Muitas vezes viajei de Passo Fundo à Porto Alegre nos anos 90, e cerca de 150km antes da capital gaúcha, tem uma pequena serra de 11km. Cansei de ver uma névoa ao amanhecer, um lindo "mar" branquinho entre as montanhas.

Sempre gostei de viajar cedo e adoro ver essas névoas típicas do inverno. Subindo ou descendo serras, o visual fica mais deslumbrante. São as névoas do bem, embora existam as névoas e nuvens do mal, assim como fumaças diabólicas.

Paul Dowswell narrou em "O Órfão de Hitler", ao descrever bombardeios sobre Berlim, que "enquanto as chamas ardiam num piano, destruindo seu corpo reluzente negro, destroços dos ataques aéreos deixavam poltronas em brasa nas ruas". São as névoas do mal que podem ser bárbaras quando se transformam em névoas do terror.

Como diz a canção, nuvens passageiras que com um vento se vai (Hermes Aquino). Semelhantes às fumaças que queimam e destroem nossa floresta amazônica. Ou como foi o terrivel incêndio na Austrália em 2020, uma névoa que permaneceu mais de três meses na atmosfera, isso mesmo, cerca de 13 semanas. A nuvem do terror viajou mais de 66 mil km.

Existiram outras névoas devastadoras, como as fumaças das bombas de gás da Primeira Guerra Mundial. Ou pior ainda, a fumaça das chaminés dos campos de exterminio nazistas. Fumaças, nuvens da morte, névoas do horror, onde o III Reich imaginava um mundo com super-homens. Tolos, não perceberam que o próprio Super-homem desejava uma vida normal (exceto quando não estava salvando o mundo).

Retornando às névoas do bem e da beleza, o escritor russo Fiódor Dostoiévski, autor de clássicos como Crime e Castigo, Os irmãos Karamazóv e Os Idiotas, publicou um romance poético chamado "Noites Brancas".

Em São Petersburgo ocorre um fenômeno na madrugada que deixa a noite clara. É quando o sol permanece um pouco abaixo da linha do horizonte ao se pôr, transformando as noites brancas. Um espetáculo da natureza. E Dostoiévski desliza suas palavras sobre essa maravilhosa névoa, onde um casal sonha sobre uma ponte visualisando dias melhores. Um romance de quatro dias com diálogos de paixão diante de um clarão branco (mas bem que poderia ter várias côres). Vejam só, que petulância, eu querendo mudar as palavras do Mestre. É melhor voltar às palavras dele, quando o personagem diz que "e agora, sei mais do que nunca, que perdi todos os melhores anos de uma letargia sem amor! Agora sei disso e me sinto mais doente por ter essa consciência". Não tem discussão, as névoas do bem e do amor derrubam as nuvens maléficas.

Em 1952 numa tentativa de travessia entre a costa da Califórnia e a Ilha de Catalina, Florence Chardwick nadou quase 42 km. Ela não sabia, mas um nevoeiro fez ele desistir...apenas 1,5 km da chegada.

Dois meses depois, a mesma névoa surgiu, mas não impediu Florence de chegar ao seu destino. É, há névoas e névoas. Como névoas da liberdade. Li num livro, não lembro qual, mas não esqueci a mensagem, de uma psiquiatra que afirmava que a depressão não era o tratamento mais procurado e que a liberdade figurava com número expressivo. São as névoas mentais.

Interessante não é? Pessoas em busca de liberdade, estão presas no quê, ou do quê? Consumismo e infelizes nos próprios lares eram os principais motivos, conforme a doutora, e acho que aqui relevante lembrar que mesmo não sabendo o que vai acontecer, apenas nós podemos "determinar" nossas ações, e também aqui, nossa querida psiquiatra acrescenta que daí podem surgir nossas liberdades.

Uau. Verdade. Na parte do consumismo, a liberdade entra como elemento na decisão de desejos prejudiciais (apatheia).

É, definitivamente estamos cercados de névoas. Algumas desumanas como dos loucos nazistas, porém névoas de Florence e Dostoiévski rebatem a favor da natureza.

Algumas nos levam à lágrimas que são verdadeiras névoas dos nossos olhos. E que fazem parte do clima, óbvio, mas que correm junto com o tempo. Passando por bons ou maus momentos, acho que a névoa que vale é a de hoje.

E ainda, se percebermos que certos eventos nos deixam felizes e de bem com a vida, então que circulem em nossos olhos, lágrimas...névoas de felicidade...