O recrudescimento do individualismo é percebido há muitas décadas. O interesse individual é carta marcada em nosso cotidiano e não sei se o pêndulo vai retornar, como diria Zigmunt Bauman.
Primeiro eu, depois...azar.
Já repararam quantas vezes dizemos "eu" num só dia? E quantas vezes não estamos se referindo a nós, ao "eu" individual? Falamos por falar. Eckhart Tolle diz em seus livros que na maioria das vezes, não é a propria pessoa que fala, é, diríamos, o inconsciente liberando o ego, e portanto, torna-se essencial tomar todo cuidado para não cair nessas armadilhas cotidianas.
Para as meninas que não entendem de futebol (atualmente está difícil de encontrar, tenho amigas que sabem tudo de times e até esquemas táticos), quando um jogador não passa a bola para o companheiro é chamado de fominha. Sua fome de jogar sozinho é tão expressiva que ignora os companheiros. Não existe o coletivo para o fominha.
Porém, o individualismo, amigo fiel do capitalismo e liberalismo, sofre na pandemia. Basta ver campanhas solidárias em todos os países do mundo, apesar do negacionismo. O coronavirus transpareceu a fragilidade humana e nossos avanços tecnológicos ficam à deriva numa pobreza vulgar.
Acho que ninguém duvida que a pandemia revê nossa humanidade e suas trágicas desigualdades. Nas teorias neoliberais, onde cada um aposta num comércio livre, o individualismo cobrou suas influências e seus altos custos sociais. E culturais. E econômicos.
No poço do Covid, não existe degraus nem andares, pois as classes mais abastadas também sofrem com a pandemia. E a sagacidade da Sétima Arte, revela como um filme nos obriga repensar conceitos. O filme "O Poço" de Kgalder Gaztelu-Urrutia é uma lança no estômago. Ali, o individualismo surge com avidez, se transformando em religião e sobrevivência.
Várias pesquisas acadêmicas já comprovaram que o individualismo cresceu vertiginosamente após o século XIII, com origens políticas e, claro, do Estado. E recrudesceu no modernismo quando vimos uma salvaguarda social que lembra o "homem é o lobo do homem" de Hobbes.
Thomas Hobbes dispara: "o valor de um homem é, como para todas as outras coisas, o seu preço, ou seja, o que se daria pelo uso do seu poder".
E agora, diante do novo normal, como reagiremos? ele (O novo normal), não pode negar nosso passado, e esse passado pode nos salvar do que vem pela frente nos próximos meses. Aliás, tenho uma convicção a respeito desse novo normal, assim que as vacinas resolverem o problema destruindo esse vírus maldito, o "novo normal" vai desaparecer ligeirinho...
Enquanto isso, se nossas rotinas passam por momentos líquidos, o individual está inserido nesse hiato.
Estamos isolados (nem tanto né?), e vejam só, se o individualismo era quase que uma doutrina moderna, agora, nem escolher mais podemos. Vamos ter que curtir o isolamento querendo ou não.
E a fraternidade e o amor ao próximo fica, por certo lado, dependendo de nosso bom senso. Aí a coisa se agrava, o bom senso nunca foi um lado positivo e normal do ser humano, não é mesmo? que dilema.
Entre nossas lutas existenciais, o filme de Kgalder narra uma destruição da ética humana (há cenas até de canibalismo, quando a fome chega ao desespero...).
O poço é uma prisão vertical com 300 níveis, onde um elevador passa com refeições do primeiro ao último andar, cada nível se serve em segundos e a sobra vai para o andar abaixo. Quando chega no andar de número 80, 90, quase não tem mais nada e o bom senso termina aí.
Salve-se quem puder. A sobrevivência elimina a solidariedade e transparece o pior do homem. Se o bom senso já não é um dos nossos pontos "fortes", não é nosso normal, não será no novo normal e muito menos no anormal.
É o poço do Covid. No início do filme, somos classificados como três tipos, os de cima, os de baixo e os que não querem cair. Tá loko.
É o poço do individualismo, onde poderes remoem corações, almas e mentes e decide quem manda e quem obedece, uma luta típica do liberalismo, não concordam?
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