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O Visionário Lima Barreto

Atualizado: 26 de out. de 2021

O autor de Policarpo Quaresma era mesmo um visionário. A cem anos atrás, disse que "um dos mitos mais perigosos é o do patriotismo: no fundo, os patriotas grandiloquentes de plantão não passam de traidores da pátria, pois a usam para sua própria autopromoção e enriquecimento".

Não, Lima Barreto não está falando do nosso atual (des)governo, ele escreveu isso em 1901. Gênio. E tem mais, criticou a imprensa ferozmente na Nova República. Em 1917, ele alertou as manipulações das autoridades e dos grandes jornais, daonde, dizia, saíam as graças e os privilégios.

Lembrando a história do Brasil, desde 1894 imperava a "República do Café-com-Leite", onde paulistas e mineiros revezavam na presidência do país. Pelo menos eram civis.

Quando o marechal Hermes da Fonseca assume, o militarismo entra em cena gerando uma instabilidade política repleta de agitações populares. A Revolta da Chibata no Rio de Janeiro, o Contestado em Santa Catarina, o Padre Cícero no Ceará faziam do país um verdadeiro barril de pólvora.

Nesse contexto, Lima Barreto encarava a elite. Quando começou seus escritos, percebeu que sua luta seria árdua contra a Globo, Record, Ratinho, Jovem Pan, ops, quero dizer, com a mídia corrompida e comprometida da época. Quando lançou um de seus primeiros livros, "Recordações do Escrivão Isaías Caminha" sofreu forte censura. A Elite não engolia um mulato autodidata.

Ela era implacável com Barreto, como Alexandra Oliveira pesquisou em sua monografia de mestrado "Lima Barreto e o Morro do Castelo: dois estranhos no Rio de Janeiro da Bella Époque". Alexandra destacou as largas avenidas do Rio de Janeiro, dominada pelos doutores que frequentavam livrarias como a Garroux, que era repleta de obras estrangeiras, e que pareciam querer representar em si a cultura e a civilização. Eram os mandarins da literatura. É senhores, o complexo de vira-lata é antigo. Assim, era uma sociedade "metida" à francesa que ignorava o nacionalismo de Barreto. Não confundir nacionalismo com patriotismo.

Seu personagem, Policarpo Quaresma detestava o piano, e queria difundir o maracá e a inúbia que eram "os instrumentos mais nacionais possíveis, os únicos que são verdadeiros instrumentos de nossos antepassados", dizia Quaresma. Maracá era um chocalho indígena e a inúbia uma trombeta de guerra dos índios tupi-guarani.

Quaresma fez ainda um requerimento ao Congresso Nacional pedindo que o tupi-guarani fosse nossa língua oficial.

Percebem a diferença de nacionalista com os "patriotas" de hoje no Brasil que andam com a bandeira dos EUA na mão, lá em Brasília?

Parece que estou vendo Lima Barreto prevendo 2020 e 2021.

Um dos capítulos do Triste Fim de Policarpo Quaresma se chama "Você, Quaresma, é um visionário", logo depois do capítulo "Patriotas".

Esse é o segundo texto sobre Lima Barreto e pretendia escrever três, o último sobre "Clara dos Anjos", mas ele é muito complexo, o que ainda é pouco para o bruxo do Cosme Velho.

Lutou o quanto aguentou contra essa mídia comprometida (como sempre), uma literatura denominada na época de "o sorriso da sociedade". Muitos intelectuais desistiram de combater a empolgação da recém nova República, porém o encanto durou poucos anos com o militarismo que perseguiu opositores. Silva Jardim, desencantado, partiu para a Europa, Lopes Trovão, que no início foi um entusiasta da República chegou a dizer que "esta não é a República de meus sonhos", e por aí muitos outros seguiram o mesmo caminho.

Quantas teses partem de Lima Barreto. Me questiono porque as escolas não incentivam os estudantes a pesquisar esses nossos autores, que além de suas contribuições literárias, também publicaram suas teorias políticas, culturais, etc. Lembro que nos meus tempos era quase um "castigo" ler nossa literatura. Que falta de criatividade. Ou era esse justamente o interesse da classe dominante da época. Aliás, eis novamente o visionário Lima Barreto prevendo como seria nossa Educação com um governo que invés de abrir novas universidades, faz o possível para sucatear nossas instituições de ensino e cultura.

Nos atuais casos de racismo, lembro de Barreto que além de denunciar as falácias da República, "viveu" com sete anos a assinatura da Lei Áurea e sempre combateu o racismo.

Foi anarquista nas crises de jovem República e em 1921, um ano antes de morrer, a Academia Brasileira de Letras concedeu o prêmio de menção honrosa ao romance Vida e Morte de M.J. de Sá. Mesmo assim, a decepção com a República foi um dos temas prioritários para Lima Barreto, negando um progresso e modernidade injusta e superficial.

Como dizem os especialistas, Lima Barreto foi um fiel intérprete do Brasil pós-abolição em suas tristes previsões, tornando-se um triste visionário. Sempre me vem lembranças do filme com o ator Paulo José na pele do Quaresma, é só pesquisar no YouTube. As cenas com o major são hilárias pois somente rindo podemos enfrentar uma e classe que se diz superiora, que se diz religiosa, mas vão ao inferno para assegurar seus interesses. Caso contrário, seguiríamos o mesmo destino de Lima Barreto, que não suportou mais tanta opressão, perseguição e oposição e encerrou sua vida ainda jovem, depois de algumas internações em hospícios.

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