Liberdade e segurança. Todos querem, todos desejam. É o sonho do homo sapiens, do brasileiro ao europeu, do asiático ao africano e de qualquer habitante do planeta Terra.
O discurso otimista da modernidade e do iluminismo todos já conhecem, com suas guerras que destroçaram cidades e nações.
Zigmunt Bauman tem uma frase que resume o objetivo desse texto, "segurança sem liberdade equivaleria à escravidão ao passo que a liberdade sem segurança desataria o caos". Curioso é aquele segmento da liberdade que associa à ociosidade. Já li, e ouvi, dizerem que a liberdade corrobora com certa ociosidade. Não concordo.
Liberdade é empregar livre o tempo, é escolher o trabalho, e o exercício, é outra coisa, e não podemos confundir com não fazer nada.
Nada a ver, liberdade é fazer o que se deseja, o que bem entender, mas claro, respeitando as regras do jogo.
É a hora fundamental da "apatheia", momento da libertação dos desejos prejudiciais. Discernir onde nossos desejos podem ser benéficos ou seguir estradas tortuosas. Haverá dias de sol e de chuva, e quando o sol faltar, esperar uma chuva de esperança como diz a poeta mineira Jane Rodrigues, lembrando que em nossos caminhos "nem todas as manhãs são ensolaradas e quando cai a chuva, é preciso fôlego para não se afogar nas mágoas que teimam em acinzentar o coracão".
Enquanto isso, interessante observar que a pandemia do coronavírus se encaixa nas polêmicas de nossas escolhas. Desejamos liberdade para ir ao shopping, à praia, ignorando protocolos de segurança. Basta ver nossas praias lotadas nos feriados e fins-de-semana.
Não seria melhor seguir o recomendável, ficar em casa em segurança?
É o pêndulo do coronavírus.
Liberdade ou segurança?
Ideal seria ter posse de ambas, mas a pandemia não está permitindo essa escolha. Que encruzilhada.
Isso que ainda permitem caminhadas nas praias e ruas, e basta ir em lugares mais isolados.
Então podemos conseguir o "ideal"? Acho até que existe a possibilidade, mas as pessoas vão nos mesmos "points", e aí a aglomeração surge ao natural.
É difícil, muito dificil, dificilíssimo.
Ainda assim, a pandemia tem lados positivos, se isso é possível. Sinais humanos que estavam obscuros reapareceram, como a solidariedade. Conforme a ABCR (Associação Brasileira de Captadores de Recursos), o Brasil já arrecadou mais de 6 bilhões de reais em doações de empresas e campanhas diversas.
No nosso pêndulo, a solidariedade mostra sua força e carrega a humanidade como um alforje de caçador (plagiando Zé Ramalho).
Evidente que a paz é mais conveniente, mas teimosos e egoístas insistem em conflitos que derrubam uma consciência sábia. E o pêndulo vai e volta. O positivismo deveria ser nossa base, mas aspectos negativos seguem com oposições da resiliência.
Queremos liberdade mas não cedemos nada, nadinha de nossa segurança. E o pêndulo, coitadinho, se retorce para todos os lados.
Vale lembrar que a ânsia pedia mais liberdade no início do século XX, mas agora nossa preferência recai para a segurança.
Em 1929, Freud publicou "O Mal-estar na Civilizacão", onde definiu que as aflições psicológicas tinham origem numa renúncia de liberdade em favor da segurança.
Enquanto isso, Weber antecipava o pessimismo frankfurtiano. Como já disse, o progresso da modernidade também é um pêndulo, com um desenvolvimento científico exuberante, mas acompanhado por um desencantamento em todas as esferas. A Escola de Frankfurt alertou a crise da modernidade com suas críticas seguindo Max Weber, e levando o pêndulo para a mesma direção quando falou na década de 20 que "não é a afloracão do verão que nos aguarda, mas noites escuras, glaciais e polares".
Ficou confuso? Simplificando, no início do século XX a sociedade preferia a liberdade, cedendo pedaços da segurança, mas com a violência atual, acontece o contrário, surgindo o retorno do pêndulo. Como vivemos uma época onde a violência está presente em quase todos os lugares, natural que a segurança pede passagem na preferência.
Bauman conclui: "É muito improvável que algum dia se encontre o ponto médio, o equilíbrio satisfatório entre ambas, mas ainda assim (ou motivo pelo qual) sua busca jamais cessará. O movimento pendular é o resultado dessa aporia".
Em relação ao capital, uma das críticas anticapitalistas de Marx insere uma "quantificação venal da vida social", aquela desgraça do ter no lugar do ser. O capitalismo regulado pela troca, a busca da mercadoria.
Relevante lembrar essa questão, embora não essencial aqui, e, claro, nunca podemos menosprezar o lado financeiro e sua parcela de importância em qualquer tipo de pêndulo.
O filósofo Esopo tem uma fábula chamada "O rato do campo e o rato da cidade" que retrata o nosso drama. O rato da cidade foi visitar o rato do campo e ficou incomodado com as refeições simplórias da região, como crostas de pão e aveia seca. Ele convidou o rato do campo a conhecer a abundância e prazeres da cidade. O rato do campo foi, mas passou os dias escondido e apavorado com os cães que ameaçavam suas vidas. O rato do interior voltou correndo para a tranquilidade de seu habitat, preferindo a paz de uma vida simples com segurança.
Escolhas e preferências determinam a vida dos homens, mulheres, ratos e "ratas". Cada um que avalie os preços de cada pêndulo...dos homens, do coronavírus, e dos ratos.
Valdocir, Que maravilha sua mensagem, como sempre! Vc levanta questões aparentemente simples, mas que, no fundo, são complexas e dilemas eternos. A tecnologia exige transformação de métodos e mentes, mas sempre o ser humano terá diante de si um pêndulo, que poderá levá-lo ao equilíbrio ou não. São escolhas, né? O grande desafio é assumir as escolhas de forma consciente e aceitar as escolhas dos outros que por certo serão outras.
Bom dia! Ótimo texto! Assim como os ratos, tememos por aquilo que não podemos controlar.