Retalhos de Amor

Não sou do samba. Conto nos dedos os sambistas que gosto, e cito apenas dois, Zeca Pagodinho e Benito Di Paula. E em semana de carnaval, sem carnaval, minha homenagem vai a Benito Di Paula.

Antes uma curiosidade, morava ainda em Santa Maria quando teve um show dele no clube Comercial, acho que em 1981. Naquela semana estava em Porto Alegre fazendo vestibular, mas voltaria no dia do show à tardinha. Residia na mesma casa onde minha família mora até hoje, na frente da AABB e na mesma quadra do clube Comercial, para quem não conhece Santa Maria.

E assim se sucedeu. Cheguei às 20h e cansado, resolvi dormir antes de curtir o show onde ouviria Retalhos de Cetim, Mulher Brasileira, Charlie Brown, etc.

Agora vem a desgraça. Caí no sono e quando acordei, já estavam tocando as primeiras músicas no Comercial (lembrando, como era na mesma quadra, ouvia lá de casa. Pior ainda, era quando acontecia festas e bailes na AABB, em minha casa ninguém dormia).

Mas, agora sim, a desgraça. Não consegui levantar pelo cansaço e, perdi o show. No outro dia queria me matar...

Apesar de não curtir samba, o som de Benito Di Paula foge daquele ritmo tradicional. E considero a música Retalhos de Cetim uma das mais bonitas e "tocantes" da MPB, me emociono até hoje, sua letra e melodia me arrepiam.

E fico indignado com a desgraçada (desculpem meninas) que não apareceu... Imaginem, o cara ficou um ano inteiro esperando o carnaval pois a amada prometeu desfilar na escola de samba dele. Ela jurou desfilar na avenida, ela prometeu e simplesmente...não apareceu.

Porquê? Porquê? Se não queria, tudo certo, mas ela tinha prometido.

O apaixonado comprou instrumentos, "sua escola estava tão bonita", ele fez tudo por ela, e a querida não apareceu. Ele não sabia "que a cabrocha mentia". Desgraçada.

Benito Di Paula revela a essência do amor, e suas consequências quando não é correspondido, quando seus retalhos despedaçam até o mais forte dos homens (e das mulheres, claro, mas estou comentando a música específica de nosso desiludido).

E o mais forte dos homens chorou na avenida...

Lembro da minha adolescência, esperava com ansiedade chegar o Sábado para ir nas boates (naquela tempo, eram boates, termo meio desaparecido), nos clubes Comercial, Caixeral ou Avenida Tênis Clube. Uma semana. E nosso amigo do Benito Di Paula dizia que "esperei o ano inteiro"...Tá loko...

Essas mulheres, que não são às de Atenas, são nossas maiores alegrias, porém meninas, as maiores tristezas.

Como escrevi no texto "4 homens dependentes e carentes da mesma mulher", a força está com elas. Pois quando chego em casa à noitinha quero uma mulher só minha, "mas um filho já reclama sua mão e os outros sua atenção...4 homens carentes e dependentes da força da mesma mulher"(Erasmo Carlos).

Mas, essas são vocês meninas, lindas e maravilhosas, não a cabrocha mentirosa, aquela sem coração, aquela desgraçada...

E por "ela", Benito economizou um ano inteiro, dormiu em retalhos de cetim, aguardando para ver a amada na avenida.

Ele vendeu mais de 50 milhões de discos em suas 35 obras. Seu nome verdadeiro originou o primeiro disco, Uday Vellozo, em 1967. Na história da MPB, está em quinto lugar em vendas de discos, não é pouca coisa.

Leva a vida "Do Jeito que a Vida Quer", nome de outra música que gosto muito. Ano passado cortou aquela cabeleira dele para evitar o covid, diz ele, que atualmente está com 78 anos.

Está vivo ainda para relembrar a tristeza do nosso apaixonado. Aquele que ficou um ano inteiro ensaiando para a mentirosa, safada. Eis Benito Di Paula...entre prós e contras, alegrias e tristezas, "tudo está no seu lugar...graças a Deus..."