Vozes da Alma

Estava curtindo uma banda num bar de frente para o mar em Balneário Camboriú. Uma noite estrelada e o chop gelado com suas côres faziam lembrar o Jardim do Éden (eu acho). Tudo perfeito. A banda completa, vocalista, guitarrista, baixo e bateria.

Normalmente nesses bares, o tocador de violão está solitário, mas naquela noite, eles estavam completinhos, mandando ver.

Quando tocaram Starway to Heaven.......do Led Zepelin, (sempre tocam né), eu soltei meus gritinhos que me fez lembrar Gilberto Gil quando disse que um dia "teve a ilusão do que o mundo masculino tudo me daria".

Para afastar a "dúvida", gritei com voz grossa, "mais um chop!", para garantir as tradições do Gaúcho macho né...

Será que nos céus teremos isso, noites estreladas, chopp de primeira e música de qualidade?

Não, teremos coisas muito melhores, "Ele" garantiu, mas por enquanto vamos saboreando os prazeres terrenos.

De repente chega outro músico com dois acompanhantes. Música religiosa! Sou agradecido ao Mestre dos mestres, mas agora? Deixa eu curtir Bob Dylan, Led, Beatles...amanhã vou orar nos templos sagrados. Mas tudo bem, ele solicitou tocar duas, três músicas para divulgar seu trabalho, depois segue o baile.

Amigos, o cara arrebentou. Sua voz era de cantador e seus acompanhantes sabiam o que faziam. As melodias lembravam o Barão Vermelho e suas letras homenageando "Ele", eram de arrepiar. Comprei o CD.

A música que mais gosto do CD, fala de nossas dificuldades, as pedreiras que enfrentamos. Num trecho ele lembra quantas vezes fomos humilhados e momentos que tivemos que nos calar.

Nome do rapaz, Marcelo Casagrande. Lembrei de situações embaraçosas que todos passam onde temos que aguentar calado. Mas Marcelo segue, e argumenta que "por isso é melhor ignorar, para não sofrer"...certo, é isso.

E quantas palavras mal educadas tivemos que escutar, embora tenho o dever de reconhecer que também magoei amigos e amigas nos percalços da minha jornada. Não sou, como costumam dizer, o Joãozinho do passo certo, e acho que o mais relevante é perdoar e ser perdoado. Mais importante do que ter amigos, é manter nossas amizades. Chavão né, mas verdade, verdadeira.

Marcelo Casagrande literalmente dá a dica: "tanta gente ao meu redor, e eu no final...por mim...mas estou aqui segurando meus anseios".

Em dias, e noites assim, acho que podemos comprovar que a alma existe, eu sentia ela, e naquela noite, estava leve. Ainda assim, me pergunto, o que é a alma, ela realmente existe? Em minhas leituras, diante de minhas dúvidas foi Santo Agostinho (354-430) com suas sábias teorias, onde pude identificar as "Vozes da Alma".

Em seu diálogo com Evódio, um de seus discípulos, Agostinho até concorda que não "vemos" a alma, mas justamente por isso ela é superior à coisas corpóreas. Uma coisa é ver, outra é reconhecer. Quando vemos uma fumaça distante, mesmo não identificando o fogo, sabemos que ele está lá, não é mesmo? Assim como o vento, que não "vemos", mas sabemos que existe e ainda traz as respostas que desejamos, como diz Bob Dylan.

Mas quando Santo Agostinho fala da memória, clareia mais ainda o tema. Ele pergunta para Evódio se ele lembra de Milão e o discípulo responde que sim. Agostinho, diz então, que mesmo estando em Paris, como conseguem imaginar através da memória, as dimensões e topografia de Milão? Isso é a Alma, ligada na memória. Me convenceu. Era ela que estava ao redor de mim naquela noite no bar, está aqui comigo hoje e vai estar amanhã. Finalmente Santo Agostinho diz: "somente a Deus devemos adorar como único autor de todas as coisas, inclusive da Alma...e qualquer alma racional há de ser amada e imitada, dando-se a cada um o que lhe é devido, segundo a ordem e o merecimento".

Isso significa que cada um tem a alma que merece. Me convenceu de novo. Passado mil anos, São Tomaz de Aquino(1225-1274) corraborou com as ideias de Santo Agostinho acrescentando outras e citando o filósofo Empédocles que alegou que a alma humana é uma harmonia.

Que no meu caso, naquela noite memorável, falava de uma harmonia musical.