Lendo o livro "O Evangelho do Barão" do diplomata Luis Cláudio Villafañe, veio a minha mente questões referentes a microhistória.
Villafañe realça as obras políticas de Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco, e que segundo ele, foi determinante na construção da identidade do brasileiro, do indivíduo como representante do país Nação.
O Barão foi ministro das Relações Exteriores por 10 anos, de 1902 a 1912 e teve êxito em várias discussões internacionais, principalmente nas definições territoriais do nosso imenso Brasil.
Pode-se dizer que o livro trata de uma história, entre várias histórias do Brasil. O autor sintetiza o Barão como alguém que buscou destacar o país, relevando o quanto o país era essencial na diplomacia Latina com a Europa e os USA, no início do século XX. Durante seu ministério Juca Paranhos foi admirado e contestado, pois apesar de ser ministro no Brasil República, ele preferia ideologias da Monarquia e era "um aristocrata sem Corte". Sentia saudades dos grandes bailes dos tempos da monarquia brasileira.
Evidente que ele teve seus méritos, como a aquisição do Acre no tratado de Petrópolis, mas afirmar que era idolatrado pelo povo, aí vai uma grande diferença.
Pergunte aos escravos que mesmo 20 anos depois da Lei Áurea, eram tratados como seres inferiores. A identidade dos escravos e dos mulatos brasileiros tinha outras peculiaridades, muito sofrida. Da mesma forma, a história do soldado na trincheira é muito diferente dos generais e heróis.
Assim como no distante ano de 1456, na bula do Papa Calisto III, foi concedido à Ordem de Cristo à primazia de uma "jurisdição espiritual" para todas as futuras descobertas. Tudo em nome do Rei e de Deus. É, é isso mesmo, em nome de "Deus", tudo era permitido e essa lei está nos anais da História, contada em verso e prosa. Quem endossou, não sei, mas desconfio.
Em 1808, nossa história brasileira narra a vinda dos fujoēs de Napoleão, a Corte de Dom João VI, para Salvador e depois para o Rio de Janeiro. A chegada trouxe significativas evoluções políticas, econômicas, etc, num Rio de Janeiro com 60 mil habitantes, sendo que a metade era de escravos, onde as brigas entre esses moradores e suas dificuldades revelavam outros problemas. São processos que deflagram vidas miseráveis do homem comum. Esses relatos nos permitem imaginar a vida naquela época e relacionar com todo o contexto. Legal não é?
Essa maneira de analisar épocas históricas teve início, conforme a historiografia, com o italiano Carlo Ginzburg, em 1976, com seu clássico "O Queijo e os Vermes".
Nessa obra, Ginzburg relata a vida de um simples moleiro que através de novas ideias religiosas, recriou dados e fases históricas. Investigando a vida de um homem simples, pode-se contextualizar toda uma época. Através do cotidiano de um moleiro e suas excêntricas ideologias religiosas, é possível reavaliar questões momentâneas. Semelhante às questões, como a Reforma provocada por Martinho Lutero em 1520, com suas teses revolucionárias dividindo a Igreja. Ambas histórias são essenciais, mas quase ninguém nunca ouviu falar do simples moleiro.
Dessa forma, a microhistória com temas mais singulares, ganha uma nova relevância. Pessoas comuns, normais, fracassadas, infância, tudo faz parte do enfoque histórico.
Mas ainda surgem outros fenômenos sociais e culturais, pois precisamos de heróis. Aliás, acho que esta necessidade vive no âmago do ser humano, faz parte de seu aspecto emocional e psicológico, algo que leva o indivíduo à idolatrar personagens, mesmo que por breves momentos, da presença desses indivíduos diferenciados. Faz parte da natureza psicológica do homem sofrido no seu dia-a-dia. Já que citei Napoleão Bonaparte, lembro de uma frase do herói francês (viu, não disse) que corrobora a essa dependência. Ele comentou que nenhum ser é um herói para o seu criado, isto é, existe um abismo entre ato heróico e vida heróica. E essa diferença pode ser superada através da construção do mito. Enfim, o herói é necessário ou não? Acho que a microhistória diminui, e muito, essa dependência.
E como também falei antes em religião, no Brasil Colônia era proibido outras religiões, exceto a Católica Romana.
Mas como ficava quando estrangeiros com fé em outras religiões visitavam o país ou mesmo vinham para residir? Teve o caso de um marechal de campo alemão, que era protestante e fora nomeado como tenente-general no Brasil em 1767.
O jeito foi aceitar, mas quando o marechal Johann Henrich Böhn teve um acidente gravissimo de cavalo na praia do Botafogo, e estava à beira da morte, foi chamado um bispo católico para a extrema-unção.
Consta que o alemão relutava em
aceitar o bispo. Mas sem opção, depois de sofrer muito, teve que concordar com o padre católico, que pedia para sua abjuração ao calvinismo e aceitar fundamentos da santa fé católica. Mesmo sem provas documentais, esse momento histórico foi um relato do Vice-Rei dom Luis de Vasconcelos e Souza, que garantiu que a conversão trouxe até melhoras na saúde do marechal.
Ele morreu um ano depois, mas são através desses relatos, que narram cotidianos, e que comprova a relevancia da microhistória, quando evidencia novas visões históricas.
Através da vida de um desconhecido em nossa história (Quem conhecia ou sabia da presença de Johann Henrich Böhn no Brasil Colônia?), identificamos como uma microhistória revela contextos históricos. Pesquisando o destino do marechal alemão, percebemos outras viabilidades em estudar ou questionar a religiosidade no Brasil Colônia.
No lado econômico, a história capitalista também "supera" a socialista, pelo simples fato que empresas são, por natureza, capitalistas. Após a queda do muro de Berlim, para ser mais exato, no dia 9 de novembro de 1989, os alemães orientais puderam pela primeira vez visitar o lado oeste.
Logo nos primeiros dias no lado ocidental, surgiram reclamações das visitas dos orientais que estavam "esvaziando" prateleiras dos mercados e lojas. O mundo inteiro viu essas imagens e notícias nos telejornais.
Alguém viu as queixas dos alemães que viram aluguéis e o desemprego subirem no lado oriental? Vimos entrevistas e reportagens do lado ocidental, mas não vimos as transformações negativas no lado leste, e nenhuma entrevista dos "comunistas", pelo menos não lembro. Me afastei um pouco da microhistória propriamente dita e difundida, porém neste caso, tivemos acesso a testemunhos de representantes do lado capitalista, (um habitante qualquer falando através de uma microhistoria), mas não de um defensor do lado oriental (outra microhistória).
Assim vamos seguindo a canção, que nos obrigam a cantar. A História dos "vencedores". Vitória de uma minoria que com micro ou macrohistórias, definem nossas vozes.
Assim como Juca Paranhos, o grande barão do Rio Branco, que através de um escritor, recebe desígnios como um dos criadores de nossa identidade.
A minha não, prefiro as teses do Darcy Ribeiro no seu livro "O Povo Brasileiro". Nele, Darcy descreve vários Brasis, como o Brasil Crioulo, Caboclo, Sertanejo, Caipira, Sulino e destaca que o "povo-nação não surge da evolução de formas anteriores de sociabilidade, onde grupos humanos se estruturam em classes opostas...surge sim, da concentração de trabalhos escravos para servirem à propósitos mercantis, alheios a ela, através de processos violentos..."
Ainda no Brasil Colônia outro "evento" social que sacudiu a sociedade revelou que o ódio racial é coisa antiga. Quando a viúva rica Bárbara Barreto, de 67 anos, resolveu casar pela segunda vez com um simples caixeiro de 25 anos, seu mundo virou de ponta cabeça. Sua família não aceitou a relação, e sua própria filha mandou assassinar o jovem Amaro Fernandes. Acreditando na impunidade da tradicional família, o que quase aconteceu, o ódio e preconceito contrários ao casamento revelou um contexto típico da microhistória, relatando como era a sociedade naquele tempo. A lentidão da justiça (mera semelhança dos tempos atuais), pois o Tribunal da Relação ficava em Salvador, retardava julgamentos. Ainda assim, houve condenações e a mandante do crime morreu na cadeia. São esses exemplos de microhistórias que esclarecem as etapas de nossa nação, como um processo civilizatório e histórico.
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