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O Jardineiro

Se Epicuro ensinava seus discípulos nos famosos jardins é porque esses locais são referências de felicidade e bem-estar.

Não há quem não se sinta bem passeando no meio de lindas flores. Belos jardins sempre foram lugares glorificados, pena que seus "construtores" não são reconhecidos e recebem salários modestos. Aliás, ser jardineiro é sinônimo de trabalhador humilde.

Não significa serem pessoas infelizes, muito pelo contrário, Bertrand Russel dizia que uma das pessoas mais felizes que conheceu foi...seu jardineiro.

Sim, um dos maiores filósofos de todos os tempos, que interagia com todo tipo de conhecimento, grandes sábios, ilustres famosos, reconhecia na simplicidade de seu jardineiro a vida em sua plenitude.

A vida tem isso, pequenas coisas dominam o espetáculo. Num domingo recente abri o portão da casa onde minha filha mora em Salvador na Bahia, e tive a sensação de abrir a porta da velha casa de veraneio na praia gaúcha de Tramandaí, onde passei 50 temporadas de Verão e onde sempre que posso, visito, ficando, dois, três dias.

Até o cheiro na Bahia lembrou a praia gaúcha, vejam só. Lembrei de uma enorme árvore que quase penetrava na casa pela sacada onde seus galhos bailavam com suas sombras nas paredes e teto do meu quarto.

É, Lenine tem razão, a vida não pára, ela é rara.

Ah, e além dos jardins e dos jardineiros tem os morangos silvestres de Ingmar Bergman. Interessante nossos valores, cada época ressalta algo, alguém ou lugares.

Quando Dostoiévski estava preso na Sibéria, sentiu tais discrepâncias, "como eu podia imaginar anteriormente, mesmo de longe, que de uns simples trapos pudessem ser considerados como peças de vestuário? Pois desses trapos fiz cobertores".

O autor russo tinha medo, quase todos os dias, de acordar como se fosse um inseto kafkaniano.

Já Bergman ilustra o velho personagem desgastado pela vida, ele está cansado de estranhas amizades e prefere viver na solidão. Não consegue mais conversar com outras pessoas.

Que loucura não é mesmo?

Ora, sabemos, a solidão devora e pode deixar o mais lúcido dos homens à beira da loucura. Tom Hanks revelou a profunda angústia da solidão quando falava com seu Wilson, uma bola de futebol, na maldita ilha.

Os paradoxos e ambiguidades mostram que uns preferem, apesar de tudo, viver na solidão como o personagem de Bergman. Numa cena, o ancião com seus 78 anos pára na rua e ao ver um relógio sem ponteiros se aproxima de um homem com um rosto estranho que cai no chão se derretendo todo como se fosse um relógio de Salvador Dali.

É Lenine, o tempo não

pára, ele é uma trapaça.

E no final, descobrimos que amizades interesseiras desvalorizam a essência das relações humanas.

E no final,o ambicioso sem ética percebe que sua luta foi inglória.

E no final, o famoso escritor viu a felicidade na rotina de um simples jardineiro.

Preferiu palavras de quem admirava a rosa, o crisântemo, o verde do gramado aconchegante.

Ah, e no final, Bertrand Russell que tanto escreveu sobre existência humana, sobre a felicidade, percebeu o valor da amizade sincera e singela de seu sábio jardineiro.







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