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O Preso. Preso?

  • cocatrevisan
  • 1 de ago. de 2021
  • 3 min de leitura

Atualizado: 22 de out. de 2021

O autor russo Anton Pavlovitch Tchekhov (1860/1904) escreveu várias obras geniais, como "A Gaivota", "O Jardim das Cerejeiras", entre outras, mas considero "A Aposta" a mais sublime e profunda. Uma narração existencial ao melhor estilo de Sartre e Camus.

Tchekhov deixa o leitor embasbacado, deixando dúvidas de quem é realmente livre. Ou como diria Augusto Cury, quem são os que estão presos em suas mentes. Cury nos obriga a refletir e ver que às vezes existem presos mais livres do que qualquer caminhante das nossas ruas e avenidas. Pessoas presas nos seus cotidianos, escravos de seus empregos e horários. E mesmo quando tentamos realizar algo, somos instruídos a fazer outras que não desejamos. Mesmo que não tenhamos aptidão para concretizar nossos desejos, somente com treino e novas tentativas poderemos obter sucesso não é mesmo?

Assim, devemos priorizar as nossas energias, pois basta olhar ao redor para ver como as pessoas (e nós mesmos) desperdiçamos energias.

E assim, torna-se necessário uma revisão da questão do consumismo que tanto atinge o indivíduo pós-moderno. E entender, definitivamente que a felicidade não está ligada ao verbo comprar com a busca desenfreada por coisas, literalmente coisas.

No conto "A Aposta", Tchekhov refaz conceitos e paradigmas referentes à liberdade. O conto começa com uma reunião de milionários e intelectuais debatendo o que é melhor para um preso, a prisão perpétua ou a condenação à morte. Um dos personagens diz que "se é possível, sem ter passado pela experiência de nenhuma das duas, acho a pena de morte mais moral e mais humana do que a prisão perpétua". Outros dizem que ambas são imorais e quando a discussão se acirra, um milionário aposta dois milhões que ninguém aguenta cinco anos preso. Um jovem só não aceita como aumenta a aposta para quinze anos.

E assim ele fica "detido" numa sala na própria casa do banqueiro rico. No primeiro ano, o jovem sofreu de tédio e solidão, apesar da companhia de livros e vinhos. Depois não quis mais vinhos, pois dizia que beber sozinho não era nada agradável. Com o passar dos anos leu mais de 600 livros, filosofia, sociologia, biografias, livros sobre religiões, científicos e devorou a Bíblia. Dizem que as vezes ouviam ele chorar, porém o tempo foi passando e em sua solidão, "viajou" com suas leituras e dizia em bilhetes, que às vezes se sentia mais livre do que muitas pessoas que estavam lá fora. Lembrou de amigos presos em suas almas e cotidianos.

Chegando quase ao final de sua penitência, O milionário se sentiu arrependido, pois iria perder todo seu dinheiro enquanto o jovem teria uma vida farta.

O banqueiro chega a conclusão que o "preso" não pode sair de sua cela e arma um plano. Sua ganância supera o sofrimento do "presidiário" e à noite entra na sala e vê o jovem adormecido sobre pilhas de livros e uma carta. Antes de assassinar o jovem lê a carta e fica pasmo. Na carta, está escrito que "amanhã quando sair dessa cela, quero deixar dito que desprezo a liberdade e tudo o que se consideram os bens desse mundo. Durante 15 anos estudei profundamente a vida, e nos livros fiquei livre, vivi aventuras e amei mulheres lindas na minha imaginação e dos poetas".

Foi um choque para o banqueiro que sentiu calafrios e arrepios. Mas tinha mais. A carta, uma aula do existencialismo, ainda possuia mais palavras mágicas: "nos livros escalei as montanhas mais altas, mais sagradas, vi as paisagens mais lindas e fiz verdadeiros milagres"...

O milionário estava arrasado pela sua soberba e insignificância.

Esse conto me lembrou Camus e seu "estrangeiro", onde o personagem Meussault está preso mas conformado, pois pela primeira vez em sua vida vazia, se sentiu feliz. Percebeu que deixou a vida passar, foi um andarilho sem objetivos, indiferente à todos, inclusive com sua mãe quando ela morreu.

Ele fugiu da vida, não queria se incomodar com nada e com ninguém. Como Augusto Cury diz, não aceitou as vírgulas da vida.

Ora, as alegrias e tristezas fazem parte de nossos cotidianos, elas compõem as vírgulas do existencialismo. São nossas mudanças, projetadas ou não. Não interessa, elas estão por aí...e por aqui.

E quando nosso preso (preso?), sai de sua cela depois de ter a certeza que suas leituras abriram caminhos nunca vistos antes, sente uma liberdade indescritível. Ele saiu algumas horas de encerrar o prazo para não ganhar os dois milhões pois percebeu que "os homens podem ser orgulhosos e sábios mas serão varridos da face da terra. São loucos que tomaram o caminho errado, trocando a verdade pela mentira e o céu pela terra".

Saiu liberto, leve, enquanto o banqueiro trancou a carta num cofre de sua casa...junto com sua vida...

 
 
 

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